Quem usou seu fundo de garantia (FGTS) para comprar ações da Petrobras ou aplicou parte das economias na bolsa na década passada provavelmente ainda lembra do conselho de quem recomendava o investimento. “Petrobras é investimento de longo prazo ─ compra e esquece”, era o que dizia, em essência, a maior parte dos analistas financeiros. Na época, a estatal era a rainha das “blue chips” brasileiras ─ termo usado pelo mercado para se referir a empresas sólidas, com baixa percepção de risco. “O valor da ação pode variar de um mês a outro, mas como tendência geral, vai subir”, diziam os analistas. Porém, em meio às incertezas criadas pela repercussão da Operação Lava Jato, essa certeza parece ter se enfraquecido. Não só a Petrobras perdeu dois terços de seu valor de mercado em apenas quatro meses como já há inclusive quem fale de um cenário catastrófico, em que as ações da empresa seriam reduzidas a “centavos”. “São muito poucos os que estão conseguindo ganhar dinheiro com ações da Petrobras hoje – em geral, apenas quem opera no day trade (compra e venda de ações no mesmo dia)”, diz Bo Williams, analista da Clear corretora.
As ações estavam cotadas a R$ 24,90 em setembro e em janeiro tocaram R$ 8,40, antes de subir no que Williams vê como um “repique”, nos últimos dias. “Mas a tendência é de baixa e projetamos que as ações da empresa podem chegar a cerca de R$ 5 em março ou abril. Nunca dá para dizer que as ações já caíram tanto que não podem cair mais ─ esse é o princípio básico do mercado acionário: todas podem ir a zero.” Parte da previsão de Williams já se concretizou. Na quinta-feira, as ações da Petrobras, após subirem no início da semana em meio aos rumores ─ posteriormente comprovados ─ sobre a renúncia de Graça Foster, fecharam em queda de 2,42%, a R$ 9,66. Marcos Viriato, professor do instituto Insper, diz que muita gente investiu na Petrobras com a ideia que, por ser uma estatal, a empresa protegeria melhor seus rendimentos.
“Mas precisamos separar as coisas. De fato, acho muito difícil pensar que a Petrobras possa quebrar. Primeiro porque a empresa tem ativos valiosos que pode vender para quitar dívidas. Depois porque o governo, como seu principal acionista, de fato pode sair em seu socorro em uma situação limite”, diz Viriato. “Mas isso não quer dizer que o valor das ações esteja protegido. Não há nenhum investimento em bolsa que não precise ser constantemente reavaliado. No caso extremo de um novo aporte de capitais, por exemplo, a participação dos acionistas minoritários seria diluída.”
Incógnitas: São muitas as incógnitas que podem ter um impacto sobre o valor de mercado da Petrobras ─ além da mais óbvia: quem vai substituir a presidente Maria das Graças Foster, que renunciou na quarta-feira. Uma das mais urgentes é se e quando a companhia vai conseguir publicar um balanço auditado, que compute as perdas com o esquema de corrupção revelado pela Lava Jato. “Além das opções de financiamento da empresa serem restringidas, nenhum fundo de pensão vai colocar dinheiro em uma companhia cujos números não são conhecidos, por exemplo”, diz Wilber Colmerauer, diretor do Emerging Markets Funding, em Londres. Entre os riscos potenciais para a saúde financeira da empresa também estão os processos abertos contra ela em tribunais dos Estados Unidos e as investigações realizadas pelo Departamento de Justiça e a SEC – a Comissão de Valores Mobiliários americana -, que poderiam resultar em multas milionárias.
Com uma dívida equivalente a quatro vezes a sua geração de caixa, a estatal também está a um degrau de perder o chamado “grau de investimento” pelas agências de classificação de risco, patamar que facilita a tomada de empréstimos e, assim, a execução de projetos importantes. Para completar, as últimas declarações de Graça Foster à frente da empresa também deram a entender que seus planos de investimentos precisarão ser revistos ─ algo esperado não só em função da sua nova realidade financeira, mas também do novo patamar de preços do petróleo. “Algumas pessoas certamente ganharam muito dinheiro especulando sobre a notícia da queda de Graça Foster, mas essa volatilidade e ambiente de incertezas são mais um dado para afastar investidores de longo prazo. É algo ruim para a imagem da Petrobras e do Brasil”, diz Colmerauer. Viriato concorda. “As ações da Petrobras podem dobrar nos próximos meses, mas também podem cair pela metade ou chegar a centavos. É tanta incerteza sobre o futuro da empresa que poucas pessoas se arriscariam a dar um palpite sobre o que fazer com suas ações.”
Força: Entre os pontos que podem contribuir para uma possível recuperação da estatal estão a posse de ativos de grande valor e sua relativa competência em sua atividade final ─ prospecção e exploração de petróleo. “Por exemplo: não dá para comparar a Petrobras com a OGX (empresa de Eike Batista que teve um colapso na bolsa)”, afirma Bruno Piagentini Caloni, analista da Coinvalores. “A OGX vendia o petróleo que não tinha. A Petrobras, apesar das falhas de gestão, tem um nível de produção considerável, talvez não necessariamente em linha com os objetivos que foram traçados, mas considerável.” Em janeiro, a estatal anunciou que produziu, no terceiro trimestre de 2014, uma média diária de 2,2 milhões de barris, um recorde histórico entre empresas de capital aberto. A Exxon Mobil, até então líder na categoria, produziu 2,1 milhões de barris. Também é verdade que quem optou por investir o FGTS em ações da estatal em 2000 ao menos até agora não fez um “mau negócio”, segundo Miguel Ribeiro, diretor da da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade). Um cálculo feito pela entidade mostra que esses trabalhadores ganharam 112%, já descontada a inflação. Tal rentabilidade caiu drasticamente nos últimos anos – em maio de 2008 os ganhos acumulavam 1.690%. Mas o investidor ainda está no lucro. “Particularmente, desaconselho que quem tenha esse dinheiro ainda aplicado o retire agora, pois vai assumir as perdas. Mas é inegável que os investidores estão com medo do que ainda pode acontecer com a companhia”, diz Ribeiro.
João Augusto Salles, economista da consultoria Lopes Filho & Associados, concorda que as ações da estatal devem se manter voláteis por algum tempo. “Há muita incerteza quanto ao desempenho futuro das ações da Petrobras, em grande parte devido às indefinições tanto no campo técnico ─ da forma como a empresa vem sendo gerida ─ quanto no campo econômico ─ ajuste fiscal, pressões inflacionárias, baixo crescimento e etc.” “A minha recomendação é que quem tem dinheiro aplicado na Petrobras não aumente sua exposição, pois os papéis da estatal tendem a manter a volatilidade”, diz Caloni. “Ninguém sabe como as ações devem se comportar daqui para frente. Quando o assunto é Petrobras ainda temos mais perguntas que respostas.”