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Sucesso da Lava Jato depende de novas medidas anticorrupção, diz procurador

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O Ministério Público Federal apresentou, nesta sexta-feira, um conjunto de propostas de mudanças legislativas e judiciais para auxiliar no combate à corrupção e à impunidade no país, a partir da experiência do órgão em casos como a Operação Lava Jato, que investiga desvios na Petrobras.

Anunciadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e pelo procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, as medidas contemplam, entre outros itens, punições mais duras a crimes de corrupção, redução no número de recursos nos processos e até mesmo a aplicação de “testes de integridade” em agentes públicos.

Para Dallagnol, crimes de corrupção são atualmente de “baixo risco” para aqueles que cometem os delitos, e as propostas do MPF são essenciais para garantir que os desvios revelados pela própria Lava Jato recebam punição. Atualmente, juristas e especialistas argumentam que desvios do tipo raramente são punidos no país. “Caso essas medidas não sejam aprovadas e os réus sejam soltos (eles estão no momento presos preventivamente), a possibilidade de impunidade na Lava Jato é grande”, disse o procurador à BBC Brasil em entrevista concedida por telefone.

“Em relação à Lava Jato, temos sim o temor (de que o esforço investigativo não resulte em condenações). Temos uma grande responsabilidade nas nossas costas, no maior caso de corrupção desvelado na história do país. A sociedade tem a expectativa de que se produzam resultados concretos, mas será muito difícil esse resultado sem as transformações que estamos propondo”, afirmou Dallagnol. “Vamos supor que os réus sejam soltos. O processo vai entrar na vala comum. Não tendo prioridade sobre outros casos, ele tende a se estender por anos e anos. As punições virão depois de 10, 15 anos e olhe lá. Se vierem, pode ser que haja prescrição (dos crimes).”

As propostas

Algumas propostas do MPF coincidem com o pacote anticorrupção anunciado pelo governo nesta semana – caso da proposta de criminalização do caixa dois (arrecadação de recursos não-declarados) e do enriquecimento ilícito, com o confisco de bens que não estejam de acordo com a renda de seu detentor.

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Outras sugestões incluem mudanças jurídicas para coibir recursos judiciais que atrasem o julgamento de crimes de corrupção, regras que dificultem a prescrição desses crimes e acelerem seu julgamento e criação de varas judiciais específicas para julgar casos de improbidade administrativa. Além disso, o órgão propõe que a corrupção de alto valor seja transformada em crime hediondo, com penas – de 4 a 12 anos – que cresçam na mesma proporção do dinheiro desviado.

Uma diferença em relação ao pacote lançado pelo Planalto é que o MPF propõe a instituição do acordo de leniência com competência exclusiva do Ministério Público. Na proposta do governo, os acordos de leniência seriam de exclusividade da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão vinculado ao Executivo. “O pacote do governo atacou alguns tipos de práticas corruptas. O nosso é complementar”, diz Dallagnol à BBC Brasil.

“Num aspecto específico, o pacote da Presidência complementa o nosso: o que estabelece a (aplicação da Lei da) Ficha Limpa para todos os servidores, algo muito bom. E nós não estamos apenas focando no combate à corrupção, mas também à impunidade. Porque não adianta nada você prever (tipificar) crimes se eles não terão punição efetiva no final das contas.” O procurador-geral Rodrigo Janot afirmou em entrevista coletiva, nesta sexta, que as propostas do MPF serão entregues ao Congresso e ao Conselho Nacional de Justiça.

Teste de integridade

Uma das práticas sugeridas pelo Ministério Público é a realização de “testes de integridade” gravados, para avaliar a honestidade de agentes públicos: a “simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a administração pública”, de acordo com o MPF. Segundo Dallagnol, seria como oferecer uma propina de baixo valor e avaliar a reação do agente público. A prática, diz ele, é aplicada em diversos países desenvolvidos e é recomendada pela ONU e pela ONG Transparência Internacional.

“O exemplo clássico é quando um agente da corregedoria disfarçado de pessoa comum passa em velocidade acima da permitida em uma rodovia. Um policial para o carro e o agente disfarçado faz uma oferta de propina módica. É uma situação que o agente deve estar preparado para rejeitar. Se receber (o dinheiro), o policial estará sujeito a uma punição administrativa, cível e criminal. Seria uma forma de afastar agentes públicos abertos a práticas corruptas.” Mas, no Brasil, decisões prévias da Justiça preveem que você não pode prender uma pessoa com base em uma situação criminosa simulada.

Dellagnol argumenta que, mesmo que não haja punições criminais a agentes pegos em flagrante em situações artificiais, esse agente poderia ser punido administrativamente ou mesmo investigado mais a fundo a partir daí. “Podemos usar isso como informações de inteligência para deflagrar medidas investigatórias mais profundas. Aquele policial que aceitou a propina eu já sei que aceitará em situações correlatas. Posso fazer uma interceptação telefônica que me permita puni-lo em uma situação real. (Além disso), testamos a predisposição de uma pessoa para continuar a cometer um crime que ela já vinha praticando.”

“É algo inovador? Sim. Mas não adianta esperarmos resultados diferentes se continuarmos agindo como sempre agimos. Se queremos mudar a cultura de corrupção, temos que criar um ambiente em que ele (o agente público) esteja suscetível a testes a qualquer momento. Não se trata de uma desconfiança perante agentes públicos, mas saber que agentes públicos estão sujeitos ao dever de transparência e ao escrutínio público.” Por: