As incertezas que pairam na economia fizeram aumentar a rescisão de contratos de imóveis adquiridos na planta. Com o distrato, nome pelo qual a operação é conhecida, o consumidor tem o direito de receber boa parte do que já pagou e traçar outra estratégia para comprar a casa própria.Especialistas do setor afirmam que o distrato tem crescido em função do aumento das demissões, do medo de perder o emprego e das restrições de crédito.
Na Associação Brasileira dos Mutuários de Habitação (ABMH), cresceu o número de interessados na operação. No primeiro semestre, 1.839 consumidores procuraram a entidade para buscar esclarecimentos. O número representa 25% do total de demandas, contra uma média de 8% em 2014.
Segundo o presidente da ABMH, Lúcio de Queiroz Delfino, 90% dos consumidores que procuram a entidade acabam optando pela rescisão do contrato.Especialista em direito imobiliário, Marcelo Tapai relata que a procura pelo distrato é grande entre os funcionários dos setores mais afetados pela crise, como as montadoras, em São Paulo, e o setor de petróleo e gás, no Rio de Janeiro.Tapai afirma que seu escritório recebeu 338 processos no primeiro semestre contra construtoras. Destes, 67% diziam respeito ao distrato, contra um porcentual de 38% no ano passado. Antes, ele diz, o atraso nas obras respondia pela maior parte das ações.
Devolução. Ao comprar um imóvel na planta, o consumidor precisa dar um valor de entrada e negociar mais algum tipo de pagamento mensal.Lá na frente, quando o empreendimento estiver pronto, o comprador terá de usar recursos próprios, financiamento bancário ou consórcio para, de fato, receber as chaves.
E é aí que começam os problemas. O reajuste do saldo devedor no período, feito em geral pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC), pode tornar o valor da parcela impraticável. Ou, quando vai à procura de crédito, o consumidor não consegue uma proposta que caiba no orçamento. “Com o reajuste, a dívida acaba superando o valor original do imóvel”, afirma Delfino.
Se optar pela devolução, o comprador precisa ficar atento para não fechar um mau negócio. Já é consenso na Justiça que as construtoras podem aplicar uma multa de 10% a 15% sobre o valor pago, diz Tapai. Para Delfino, da ABMH, o porcentual pode chegar a 20%.
O comprador pode ser reembolsado em 100% se a entrega do imóvel atrasar, se houver erro de construção ou se a unidade for diferente do anunciado quando o negócio foi fechado.Antes, com o boom do preço dos imóveis e o mercado mais aquecido, era mais fácil repassar a dívida para outro comprador. Agora, a barganha é uma das opções. Com o dinheiro em mãos, a pessoa pode aguardar condições mais favoráveis de financiamento ou partir para a compra de outra unidade mais em conta.
“As construtoras não facilitam e o consumidor acaba aceitando qualquer oferta”, afirma Tapai. De acordo com ele, a via judicial acaba sendo o meio mais comum de se conseguir um reembolso vantajoso. Em São Paulo, afirma ele, os processos sobre o tema demoram hoje um ano e meio, em média, para serem concluídos.
Para Delfino, tentar uma solução dentro da própria construtora pode ser mais rápido. “A primeira questão é refletir se é preciso mesmo rescindir o contrato”, afirma. “O consumidor que não tem condições de pagar o financiamento pode partir para outra unidade, numa localização com o preço do metro quadrado mais barato, ou às vezes no mesmo empreendimento”, diz.
Nas construtoras, também há uma sinalização de que essa tendência é crescente. No ano passado, 12 incorporadoras somaram um volume distratado de R$ 6,8 bilhões, ou o equivalente a 30% das entregas, de acordo com a agência Fitch. / COLABOROU LUCAS HIRATA